Blitz de IPVA – Fisco ou confisco?

No arcabouço tributário brasileiro, as formas de instituição de tributos são de extrema relevância social e econômica, haja vista que refletem na vida privada de cada cidadão, seja em aspectos financeiros ou, por outro lado, em arrecadação tributária e benefícios sociais e realizados pelo Estado. Em que pese a importância social da arrecadação tributária, é fato que o fisco, ou melhor, a estrutura da administração pública encarregada da cobrança dos impostos, não pode confundir-se com confisco!

Dito isso, convém esclarecer desde logo minhas ressalvas às apreensões de veículos na “Blitz do IPVA” que, em verdade, poderia ser melhor apelidada como “Blitz da Taxa de licenciamento”, já que o fundamento legal da apreensão não decorre do atraso do pagamento do imposto IPVA, contudo, por força do artigo 230, inciso V Código de Trânsito Brasileiro do (CTB), que estabelece penalidade de multa e apreensão do veículo conduzido sem o devido licenciamento.

Ademais, o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), no seu artigo 124 §º 2º, estabelece como requisito para o licenciamento o recolhimento de tributos, encargos e multas de trânsito vinculadas ao veículo. Todavia, citado dispositivo afronta normativa do CTN, sendo este último Lei Complementar em sentido material, enquanto o Código de Trânsito é Lei Ordinária.

Pelo que se vê, o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) possibilita de forma indireta a apreensão do veiculo automotor até que o contribuinte pague os tributos cobrados pelo Estado, principalmente o IPVA, já que o pagamento da taxa de licenciamento e do IPVA se dá em guia de recolhimento única. Ora, tal subordinação em verdade viola direitos fundamentais estipulados na Constituição Federal e afronta o texto do próprio Código Tributário Nacional (CTN), em especial artigo 164.

Do artigo 164 do CNT extrai-se que existe uma vedação expressa para a subordinação do pagamento de um tributo ao pagamento de outra espécie tributária, de penalidade ou até mesmo ao cumprimento de obrigações acessórias.

Desta feita, o ato de licenciamento do veículo que se processa com o pagamento da taxa de licenciamento, não pode ser subordinado ou condicionado ao pagamento de outra obrigação tributaria, qual seja: pagamento do imposto sobre veículos automotores (IPVA) ou ao pagamento de multas. E a recíproca é verdadeira!

Nota-se que o Código de Trânsito Brasileiro concede autoexecutoriedade para a cobrança de supostos créditos que sequer foram inscritos em dívida ativa, isto é, créditos incertos, inexigíveis e que não guarnecem de liquidez.

Ora, o licenciamento veicular, nos termos do próprio CTB visa resguarda interesses públicos, tal como a segurança das vias públicas, o sossego público (ruídos) e a proteção ambiental (emissão de gases). Desta forma, no exercício de polícia e fiscalização é que encontra o fato gerador para a cobrança da taxa de licenciamento.

Frise-se: a taxa de licenciamento não é de índole arrecadatória, mas de natureza de fiscalização. Como típica taxa cobrada pelo exercício do poder de polícia do Estado, jamais pode assumir o objetivo meramente de promover receitas, pois afugentaria do conceito legal da espécie tributária taxa, aproximando-se muito mais da ideia de imposto fiscal.

Não bastasse isso, cumpre destacar que a legislação estabelece forma própria para o Estado realizar cobranças de débitos tributários na via da execução fiscal. Sendo assim, face ao inadimplemento do IPVA ou da taxa de licenciamento, comporta ao Estado promover os meios judiciais cabíveis e não apreender o veículo arbitrariamente como forma de garantir o pagamento.

Ressalta-se, ainda, a violação do princípio da vedação ao confisco em que nossa Carta Magna não admite imposto que resulte em confisco. O valor de uma exação deve ser razoável e observar a capacidade contributiva do sujeito passivo.

Já existem diversas decisões acerca das sanções políticas no âmbito do IPVA. No que tange às multas, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já externou posição por meio da Súmula 127, na qual dispõe que: “é ilegal condicionar a renovação da licença de veículo ao pagamento de multa, da qual o infrator não foi notificado.” Aliás, este será o assunto de um próximo artigo.

Portanto, ante a tais argumentos compreendo que a chamada “Blitz do IPVA” revela-se como uma interferência abusiva do Estado que desconsideram garantias constitucionais do contribuinte, tal como o seu direito de propriedade, do devido processo legal, direito a ampla defesa e ao contraditório, vedação ao confisco, além de afrontar o Código Tributário Nacional. Por isso repito: “fisco” não pode ser confundido com “confisco”!

*Danilo Orsida.

Advogado, economista, sociólogo, pós-graduado em Gestão Financeira, pós-graduado em Direito e Processo Tributário. Mestre em Direito e Relações Internacionais. Sócio proprietário do escritório BRO Consultoria. Advogado militante na área tributária e empresarial. Ex-conselheiro da Conselho Administrativo Tributário (CAT), da Prefeitura Municipal de Goiânia. É autor do livro “Curso de Direito Financeiro” publicado pela editora PUC/GO.

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